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28 de maio de 2015

Não mate o ego, limpe-o (Parte 1)



(Este é o primeiro post de 3)
Dizem que uma pessoa arrogante se afoga numa tempestade de chuva, porque seu nariz se enche de água. Arrogância não é o ego, mas pode ser. Explico.
"O ego é o inimigo do crescimento espiritual".
Por muitos anos, eu acreditava nisso. Para mim e vários outros, pensava que um dos principais objetivos da prática espiritual era superá-lo. Apesar de esforço aplicado, eu não parecia chegar a lugar nenhum. Era como bater água e tentar criar manteiga. Um belo dia, tive um daqueles insights de mudança de paradigma. Não era uma questão de anular o ego. Tinha que simplesmente elevar a sua função.
Na melhor das hipóteses, o ego é apenas um conjunto de coordenadas que nos ajudam a navegar pela vida. Estes parâmetros, dentro dos quais o ego opera, são essenciais para a vida cotidiana. Imagine se tivéssemos que recriar a consciência dos nossos nomes, formas, endereços, gêneros, idades, profissões e relações todos os dias. Com compreensão e poder espiritual, o ego pode ser um grande agente entre nosso eu mais profundo e a realidade que se forma a nossa volta.
Na pior das hipóteses, é claro, o ego cria uma outra história. Inflacionado ou deflacionado por um senso distorcido de importância ou a falta dela, ele gera prejuízos para nós e outros. Quando a consciência "Eu sou fulano, assim e assado" levanta seu nariz para chamar a atenção, outros egos se embaralham resmungando ou murmurando, reagindo ativa ou passivamente conforme perseguem seus próprios interesses.
Se buscamos um objetivo egoísta, podemos perguntar por que outros egos não cooperam conosco. A resposta é óbvia. Cada ego limitado só pode alcançar até o limite de sua projeção. O egoísmo é apenas o ego limitado cuidando de seu próprio pequeno mundo, onde ninguém vive, apenas visita. A vida passa a ser na maior parte, egos visitando outros egos - um fluxo constante de trocas entre os mundinhos e entendimentos de cada um. Populamos nossas cabeças com outros, sem perceber que a nossa versão de todos eles e, provavelmente, de nós mesmos, só existem como algo filtrado por nossos próprios egos.
Em grego, a palavra ego significa apenas Eu. Foi provavelmente Freud que ortogou ao ego conotações mais amplas, em seu modelo estrutural da psique. Ele descreveu o ego como o mediador entre as motivações desordenadas do eu (o id) e a força ainda mais profunda moralizante que ele chamou de super-ego. Aí reside o problema. No seu papel de interface com a realidade, muitas vezes ele age como um lobo no comando das galinhas. É por isso que o ego se tornou sinônimo de arrogância.
Se o ego soubesse de sua função e trabalhasse para o benefício a longo prazo do eu e das outras pessoas ligadas, seria elogiado por todos. Guiado pela influência das nossas qualidades espirituais inatas e sabedoria, esse senso do eu verdadeiro serviria ao todo ao invés de apenas si mesmo. Infelizmente, ele tem sido mal interpretado e até mesmo execrado pelos puristas e moralistas de toda espécie. Esta foi a minha grande descoberta. Eu não tinha que matar o ego. Só quebrar suas limitações e 'purificar' a sua função. Para isso, eu precisava de um sentido mais preciso da identidade. Foi a hora do verdadeiro 'eu' se levantar.
Através do meu estudo e prática da Raja Yoga eu tenho experimentado que existem basicamente dois "pólos" em que vivemos e operamos. Um gira ao redor da entidade espiritual permanente chamada alma e outro em torno da identidade física temporária - nossos corpos, papéis e "histórias" individuais. O contraste entre o que podemos chamar de consciência da alma e consciência do corpo é mostrado no diagrama a seguir:



O desenvolvimento espiritual significa limpar os filtros do senso de eu que chamamos ego. Ao fazer isso, vemos o mundo e os outros como eles realmente são e deixamos para trás nossas versões distorcidas. Esta é a liberdade que tenho procurado. Eu ainda estou trabalhando nisso.

18 de maio de 2015

Quem nos dá o 'direito' de perder a calma? (Parte 2)


No meu post anterior, eu compartilhei sobre como concedemos a nós mesmos o direito de ficarmos irritados. Ninguém mais faz isso por nós. A  "raiva justificada", que nos acompanha tornou-se de tal forma incorporada em nossa cultura que quase ninguém questiona isso. Ninguém nem aprecia seus próprios aborrecimentos, muito menos os dos outros. É simplesmente aceito como parte da escola de pensamento que "errar é humano". Nem mesmo acreditamos que é possível mudar o que é realmente apenas um hábito profundamente arraigado.
Se assistimos um filme esperamos automaticamente que o vilão perca tudo, que seja morto ou ferido. Se vemos alguém que está sendo tratado injustamente desejamos que eles consiga devolver o troco. Celebramos internamente a derrota dos nossos inimigos, enquanto murmuramos palavras de comiseração. Em geral, há muitos fatores, do passado, presente e futuro que contribuem para qualquer situação. Uma mera leitura superficial não irá revelar as verdades mais profundas que cercam os fatos aparentes. Compreendê-los nos ajudaria a responder com mais calma.
Há uma história que circulava há vários anos sobre um pai e seus três filhos em um trem suburbano em Long Island, Nova York. Ele estava sentado cabisbaixo e triste, totalmente inconsciente de que seus filhos estavam correndo para lá e para cá no corredor aprontando todo tipo de travessuras. Como as pessoas estavam voltando para casa do seu longo dia de trabalho, elas só queria um pouco de paz e tranquilidade para cochilar ou ler.
Os primeiros sinais de irritação apareceram no murmúrio de comentários negativos entre os passageiros. Aos poucos, alguns elevaram seu tom de voz: "Você não pode dar um jeito para controlar essas crianças?" Mas, nem o pai nem os filhos davam a menor atenção. Elas começaram a correr e pular ainda mais.
Finalmente, a mulher atrás dele bateu agressivamente na parte de trás de seu assento com sua guarda-chuva. "Senhor, por favor, faça algo com seus filhos. Você não percebe que estamos extremamente incomodados?"
Ele se virou tristemente e respondeu: "Eu realmente sinto muito, senhora. Acabamos de sair do hospital. Minha esposa morreu esta tarde. Estou um pouco perdido e não sei o que fazer."
A mulher então, anunciou aos outros passageiros o que tinha acontecido. Imediatamente eles se juntaram às crianças e começaram a brincar com elas.
De maneira semelhante, há circunstâncias atenuantes em torno de muitas das coisas que nos incomodam. O problema é que não enxergamos as necessidades dos outros, apenas as nossas próprias.
A indignação é apenas o ego com um halo. O ego finge ser tudo, mas não traz nada a não ser o incomodo.

11 de maio de 2015

Quem nos dá o 'direito' de perder a calma? (Parte 1)


Ninguém gosta quando um outro perde sua calma. Tentamos fugir para longe de seus gritos ou resmungões. Este 'direito’ de perder a calma é sempre cedido pela própria pessoa a ela mesma. Ela não pede a permissão para ficar transtornada ou chateada. Quando é a nossa vez de expressar o descontentamento assim, esquecemos convenientemente o impacto que isso teria em outros.

Crescemos neste mundo complexo acreditando que temos este ‘direito’ diante de qualquer cena da peça da vida que não gostamos. Alguém de repente corta na nossa frente no trânsito; esperamos uma hora por um amigo e ele não aparece; não nos qualificamos para algo, apesar de meses de preparação; alguém nos insulta, direta ou indiretamente ... a lista é grande. Nos defendemos rapidamente em qualquer situação que desafia as ilusões do ego e paradoxalmente saimos correndo quando outro se comporta do mesmo jeito.

Mesmo sabendo que vivemos em um mundo onde tudo pode acontecer a qualquer um a qualquer momento, não precisamos ficar abalados com tanta facilidade. Mesmo assim, o problema é quando esse 'direito' é aliado a uma natureza sensível ou ao perfeccionismo. Tanto os que têm uma natureza como a da flor não-me-toque, como os prepotentes não percebem a insatisfação que geram nos outros. Andamos em cacos de vidro com os sensíveis e fugimos dos prepotentes, enquanto estes ficam perplexos porque não são tão bem-quistos.

Uma vez um amigo me disse que foi criado por uma tia que era tão perfeccionista que nunca estava satisfeita com a própria casa. Uma parte ou outra estava permanentemente em reforma. Quando ela morreu, ainda estava reformando. Mesmo que ela pudesse derrubar paredes e mudar pedaços inteiros da casa de um lado ao outro, nas partes que estavam 'prontas', ninguém podia mover qualquer coisa, mesmo por um centímetro. O ousado que fizesse isso, estaria imediatamente sujeito a uma palestra irada dela, sobre suas mãos sujas ou a proibição de tocar em qualquer objeto. Todos os visitantes já sabiam que só poderiam ir lá sob risco de ouvir gritos desagradáveis. Ela tinha todos os ‘direitos’ e todos os outros nenhum. Na Índia, eles dizem que este tipo de raiva doméstica seca os vasos. Certamente, havia muitas flores murchas naquela casa! Até hoje, este amigo tem dificuldades grandes em lidar com pessoas que exibem traços de autoritarismo.

Depois de ouvir a história, pensei sobre como seria bom se pudéssemos ter esse grau de atenção em nosso estado interior, como esta tia tinha em sua casa física. Pensamentos limpos seriam naturais. A aprendizagem correta produziria as reformas necessárias do nosso caráter. Tudo estaria em seu lugar. Não haveria sequer a vontade de ficar chateado.

Uma das principais experiências que tenho recebido da minha prática de meditação raja yoga é que quando estou mais alinhado (set em inglês) internamente com as minhas qualidades inatas, torna-se muito difícil ficar chateado (upset). Não é só uma questão de ter a vontade de evitar ficar chateado. É necessária uma estabilidade interna de verdade.

Curiosamente, a palavra ‘chateado’ em hindi é ‘naraaz’. ‘Raaz’ significa segredo. Então, ficar chateado é não entender os segredos! Poder ver o quadro completo ajuda muito. Se nos treinarmos para conseguir ter uma perspectiva ampla, vemos mais e compreendemos mais. Amplitude de visão traz a estabilidade. Caso contrário, reagimos insensatamente porque não entendemos os segredos por detrás dos acontecimentos.

3 de maio de 2015

A próxima dimensão de nós mesmos


Um desenho animado sobre ‘Dr. Quantum em sua Visita a Planolândia’ saiu como uma parte complementar do documentário sobre a visão quântica do mundo, ‘Quem somos nós’*. Ele ilustra perfeitamente o dilema que temos como seres humanos.
Planolândia é um mundo de apenas duas dimensões habitado por linhas, círculos, quadrados, polígonos e etc. Os seres deste lugar só têm comprimento e largura. Num diálogo entre Dr. Quantum e um círculo feminino, o dilema fica bem claro. Para cima e para baixo são conceitos tão inconcebíveis, que especular a respeito de outras dimensões é proibido. A pequena círculo tem tanta dificuldade em compreender a palavra 'acima' que ela acha que a voz que ela ouve, mas não vê,é de um fantasma, uma pessoa louca e até mesmo um deus.
A dimensão interna onde o potencial de cada ser espera sua vez, é vista por muitos com a mesma incredulidade que um círculo que tenta entender uma esfera.
A possibilidade de autodesenvolvimento a partir de uma compreensão profunda do ser e do mundo em que vivemos acaba sendo uma pura viagem da imaginação. Somos planolandenses tentando entender a dimensão seguinte.
Numa conversa que tive com um grande amigo que já foi o presidente mundial de uma das maiores empresas de tintas, ele revela a dificuldade de lidar com a próxima dimansão de nós mesmos. Ele disse: “Não somos suficientemente conscientes para enxergar pelas relações que temos, que somos parte deste mundo. É o nível baixo da nossa consciência que reduz nossa capacidade de manter a coerência entre os valores que queremos como seres humanos e os valores que vivemos como ‘seres de negócio’?
Como líderes de nossas famílias, empresas e comunidades, temos a responsabilidade de começar a criar e sustentar a unidade de valores entre o que praticamos e o mundo do qual fazemos parte. Temos de nos tornar conscientes de que somos cidadãos globais que querem viver e contribuir para um mundo melhor para todos nós.”
Bravíssimo!


“What the Bleep do we Know”, Lord of the Wind Films, 2004 (www.whatthebleep.com)

Este texto é do meu livro, Espírito do Líder, Vol. 2, da Editora Integrare