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8 de outubro de 2015

Navegando bem no mar dos relacionamentos (2)


Em um post anterior eu escrevi sobre o comércio emocional que acontece nos relacionamentos íntimos. Nós medimos uns aos outros por aquilo que damos ou recebemos. Um dos aspectos que faz com que um verdadeiro intercâmbio de bons sentimentos mútuos seja difícil é a tendência quase onipresente de ver defeitos. Três pessoas estão falando e uma delas vai embora. Os dois que permanecem imediatamente falam sobre quem? Geralmente, sobre aquele que acabou de sair e nem sempre de uma forma cortês.
Certa vez uma mulher me procurou depois de uma palestra pública em São Paulo para perguntar sobre como resolver o problema que estava tendo com seu marido. Nossa conversa foi mais ou menos assim:
- Eu realmente não sei o que fazer com o meu marido. Ele está indo só para o brejo. Ele fica irritado em troca de nada. É muito difícil falar com ele. Ele só me corta. Ele é ... (aqui ela começou a recitar uma lista grande de seus defeitos.)
- Você já tentou falar com ele?- Centenas de vezes! Ele simplesmente não me escuta. Estou realmente preocupada. Ele pode  ter um enfarto a qualquer momento. Às vezes eu acho que ele já está com um pé na cova.
- Ele não pode ser tão terrível assim. Será que ele tem não nenhuma virtude?(Aqui ela ficou em silêncio antes de responder, como se para mostrar que era algo que não estava acostumada a fazer.) Deixe eu pensar. Estou com ele há trinta anos. Ele costumava ser muito generoso e amoroso, mas faz muito tempo que eu não vi sinais disso.
- Você realmente falou com ele sobre isso centenas de vezes?- Não exatamente. Para dizer a verdade, apenas cinco ou seis.
- Você acha que, ao focar-se em seus defeitos, você está ajudando-o a mudar?- Provavelmente que não.
- Vamos dizer que ele esteja fazendo esforço para mudar seu estado terrível. Imagine que ele também tenha se matriculado em um curso de meditação. Ele revelaria este esforço para voce?- Provavelmente que não.
(Aqui eu dei uma imagem que ela não iria esquecer.) Você diz que ele tem um pé na cova. Imagine que ele esteja deitado em um caixão tentando sair. Você sabe onde sua atitude de só ver seus defeitos coloca você? Sentada na tampa!Ela deu um pequeno salto e disse:
- Oh meu Deus do céu! O que devo fazer para ajudá-lo então?- Não significa que você não vai estar ciente de seus defeitos. Mas você tem de treinar-se para ver suas virtudes por detrás deles; é como ver diamantes na forma bruta por entre as pedras.
Nós conversamos um pouco mais e ela partiu determinada a mudar sua atitude.
Este é provavelmente o aspecto mais importante de ser capaz de viver e trabalhar com outras pessoas. Se eu quero que eles melhorem, a última coisa que eu deveria fazer é um rosário de seus defeitos e repeti-los para mim mesmo e para os outros. Eu deveria me enfocar me nas suas especialidades.
A afirmação famosa vem à mente:
Onde vai a atenção, a energia flui.
Onde flui a energia, a vida cresce.

Se eu der atenção a defeitos dos outros, eu os ajudo a cultivá-los não só neles, mas em mim mesmo.
Uma vez eu estava passeando pelas ruas de Budapeste e, apesar de poder ler as placas e outdoors,  eu não sabia o que significavam. (Húngaro é uma das cerca de cem línguas que usa letras romanas igual ao português.)
Da mesma forma, só posso identificar e pensar sobre o significado de defeitos, se eu também "falar a língua deles”. O desafio é ser capaz de se concentrar nas virtudes dos outros, apesar de estar ciente dos seus defeitos. Isto ajuda as pessoas e a mim também. Afinal, nas profundezas da alma, eu também falo a língua de virtudes.