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6 de dezembro de 2016

Maestria da mente (2) - meditação e mindfulness




Hoje há uma explosão de interesse pela meditação. Um estudo de 2012 nos EUA, publicado pelo National Health Institute, revelou que 8% da população praticou alguma forma de meditação naquele ano. Dentre elas, a meditação ‘mindfulness’ foi a que mais estava crescendo.



Como um estudante e professor de meditação por mais de 40 anos, só posso me sentir feliz que muitas pessoas estão tendo contato com esta prática de vida muito antiga. Dado o caos em que estão nosso mundo e vidas, há uma demanda reprimida por ela. Ao mesmo tempo, sou um pouco cauteloso com o marketing que cerca a meditação.



Na questão de meditação do tipo ‘mindfulness’, por exemplo, há uma infinidade de livros inundando o mercado. Ela aparece como uma panaceia para muitos áreas da sociedade. Títulos como “Algo” Mindful abundam. Basta substituir o “Algo” por Trabalho, Comer, Fazer Exercício, Liderança, Criança, Adolescente, Ser Pai e temos a promessa de um mundo maravilhosamente consciente. Fazer todas essas coisas de maneira mais 'mindful' obviamente traz benefícios.



Infelizmente, como tantas das terapias que aparecem de vez em quando, nenhuma delas pode ser a resposta para tudo. A forma como a ‘mindfulness’ é apresentada, faz com que ela pareça como algo inventado recentemente. Como se a prática da meditação não existisse há milhares de anos! Sabemos que a meditação em diferentes formas sempre esteve disponível para resolver nossos problemas da vida.



Para completar a inserção da ‘mindfulness’ no mainstream ocidental, até mesmo a palavra ‘meditação’ tem sido abandonada por muitos, de modo que não esteja mais associada a qualquer prática espiritual ou religiosa, de acordo com suas raízes budistas.

Os expoentes da ‘mindfulness’ dizem que seu objetivo não é controlar a mente. De acordo com a crença popular e as razões descritas no blog anterior*, sobre nossos músculos flácidos mentais e emocionais, eles dizem que não é possível ter tal controle. Em vez de controlar pensamentos, a ideia é observa-los. Assim, acalmamos sua atividade, aprendemos a lidar com a ansiedade e assim por diante.



Tudo isso é verdade. Só de praticar pausas significativas nas nossas vidas frenéticas e concentrar-nos na entrada e saída regular do ar em nossa respiração enquanto observamos o movimento da mente, do corpo e do mundo ao redor, é uma maneira definitiva de nos desacelerar e nos sentirmos calmos.



No entanto, tentar fazer isso em meio a uma crise grande é outra história. Por exemplo, diante de:

  • Notícias relacionadas a uma doença terminal de alguém próximo ou de nós mesmos
  • Uma calamidade natural ou humana
  • Ser roubado de todo o dinheiro e documentos
  • Passar por um divórcio
  • Perder um emprego
  • Envolver-se em um grave acidente de trânsito

A capacidade de estabilizar a mente em um segundo em tais situações requer uma longa prática e uma compreensão mais completa das razões por detrás dos acontecimentos. Especialmente sobre o funcionamento interno do ser, através da mente e do intelecto. Os traços de defiotos na personalidade, profundamente enraizados, não podem ser transformados pelo simples ato de acalmar-se. Isso exige aquilo que os antigos chamavam de tapasya - um estado intenso de compreensão e conexão com o ser e o divino, que poderia queimar as sementes dos mesmos. Em outras palavras, é possível mudar aspectos básicos da nossa personagem através da meditação, mas não qualquer meditação. Tem que ir além do primeiro passo de atenção plena.

O que muitos não sabem, é que o mindfulness está relacionado com a prática de sati, uma das sete etapas para a iluminação no budismo. Em 1881, Thomas William Rhys Davids, um magistrado britânico no então Ceilão (atual Sri Lanka), teve de julgar vários conflitos eclesiásticos budistas. Ao analisar textos sagrados em pali, a língua antiga do Budismo Theravada, ele sugeriu pela primeira vez a palavra "mindfulness" como sinônimo de "atenção" e como uma tradução aproximada do conceito budista de sati.
Sati, e seu homólogo sânscrito, smṛti, significam basicamente consciência, ou o que nos lembramos. Ou, mais simples ainda, lembrança, dependendo do contexto. Uma das primeiras etapas em tradições antigas védicas de meditação é estabilizar o smti, usando diversas técnicas. Uma vez que o próprio Buda nasceu centenas de anos após a meditação védica ter criado suas raízes, ele e seus seguidores provavelmente tiveram contato com estas tradições. Isso certamente é aparente nas muitas similitudes na prática de meditação, especialmente em relação ao sati.

Ao separar o sati das outras seis etapas para a iluminação, e tratar de ocidentalizá-lo, como aconteceu com tantos outros caminhos espirituais, pode ser que tenhamos perdido a sua essência. Há tanta banalização, cursos e "especialistas" de mindfulness, em uma procura de novas maneiras de ganhar dinheiro. Em meio a tudo isso, podemos estar enganando a nós mesmos achando que a simples experiência de ‘nos sentirmos bem’ possa resolver nossas questões mais profundas... enquanto as mentes continuam tão descontroladas como sempre.

Afinal, um dos princípios centrais do budismo é que não dá para escapar do sofrimento. Devemos entendê-lo e dar um jeito nele. Isso exige um trabalho um pouco mais fundo do que apenas entrar em um estado de atenção plena agradável. Os outros seis passos foram, de fato, essenciais para completar a jornada.

No próximo blog vou compartilhar acerca de um dos maiores mestres de meditação dos tempos modernos, Swami Vivekananda, que aborda toda a questão de controlar nossas mentes a partir de um ângulo diferente. Vamos ver como sati e smriti são exatamente a mesma coisa. Fiquem atentos.

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